Espanha - “Genocídio Social a pretexto da crise.”
“Genocídio Social a pretexto da crise.”
Com este título, o correspondente do Expresso em Madrid, Angel
Luis De La Calle, publicou um artigo, no Expresso de 25 de Maio, onde relata a
forma como o Governo Rajoy está a “recuar em áreas-chave” da protecção social,
rompendo um consenso que incluiu o próprio Governo José Maria Aznar.
Na área da saúde “há abandono da titularidade pública de
hospitais e centros de saúde em benefício de privados, com argumentos de ganhos
de eficiência e redução de custos.”.
As razões invocadas pelo governo espanhol, para a
privatização do sistema de saúde, não têm o menor fundamento na realidade,
conforme se demonstra no quadro seguinte (Fonte OCDE-2010), elaborado com base
em quatro indicadores, dois de custos e dois de resultados em saúde. O quadro
compara os resultados espanhóis com os de dois países europeus, Finlândia e
França, que têm diferentes modelos de saúde, com os EUA, paradigma dum sistema
predominantemente liberal e com as médias da OCDE.
País
|
Desp.
Totais % PIB
|
Desp. Per Capita
US $ PPP
|
Esperança
de vida à nascença
|
Mortalidade
Infantil
|
Espanha
|
9,6
|
3.056
|
82,2
|
3,2
|
Finlândia
|
8,9
|
3.251
|
80,2
|
2,3
|
França
|
11,8
|
3.974
|
81,3
|
3,6
|
Estados Unidos
|
17,6
|
8.233
|
78,7
|
6,1
|
Média OCDE
|
11,9
|
3.265
|
79,8
|
4,3
|
Como se constata, a Espanha tem gastos inferiores à média dos
países da OCDE, quer em % do PIB, quer em despesas per capita e resultados em
saúde melhores do que a média.
Em comparação com os EUA, a Espanha gasta menos 8 pontos
percentuais do PIB e tem resultados bastante superiores.
A França, que é um modelo Bismarkiano, apresenta custos significativamente
mais elevados que os espanhóis sem, por isso, obter melhores resultados.
O que contraria a tese da superioridade daquele modelo sobre
o Beveridgiano. Em boa verdade, os modelos Bismarkianos são mais caros que os
Beveridgianos ainda que, tradicionalmente, apresentassem as vantagens de maior
flexibilidade e adaptação às necessidades dos consumidores e maior eficiência
técnica e, por isso, um maior grau de aceitação por parte dos cidadãos.
Hoje as coisas mudaram; 4,5 milhões de franceses, por
exemplo, vivem, sem uma rede de segurança complementar, três quartos dos quais
porque ultrapassam os 634 euros, mínimo abaixo do qual se tem direito à CMU
(cobertura de doença universal), mas perderam a capacidade económica para pagar
a sua antiga mútua.
A privatização da saúde, em Espanha, não se justifica,
portanto, por razões económicas, mas apenas pela obsessão ideológica que está a
criar um “sociedade dual, bipolarizada entre ricos e pobres.”
Como diz Angel De La Calle, o que Rajoy está a fazer é “a
levar a cabo o desmantelamento sistemático do modelo social-democrata,
estabelecido no país desde os primeiros tempos da transição política,
substituindo-o por outro de cariz neo-liberal ou “neocon, seguindo as linhas
defendidas pela ala mais à direita do Partido Republicano nos EUA.”
Poderá, em última análise, argumentar-se que as despesas de
saúde em Espanha ultrapassam, em % do PIB, as Finlandesas. Mas, se tal
acontece, é obviamente, porque a Finlândia tem um PIB per capita superior ao
Espanhol. E aí, sim, importa perguntar: como foi possível a um pequeno país
ter-se transformado, em tão pouco tempo, (nos inícios dos anos 90 ainda a
Finlândia estava a braços com uma forte recessão) numa sociedade avançada, não
só em termos tecnológicos e económicos mas também em bem estar social?
Manuel Castells e Pekka Himanem (citados por Renato Carmo-
Análise Social) compararam, através de alguns indicadores, a Finlândia com
outros dois países com igual índice de desenvolvimento económico – EUA e
Singapura – e chegaram à conclusão que o nível de equidade social é claramente
favorável no caso finlandês.
O modelo de Silicon Valley “, dirigido primordialmente pelos
mecanismos de mercado”, “tem custos consideráveis no que respeita às
assimetrias sociais e à deterioração do capital humano nas largas faixas
populacionais que não acedem e, muito menos, intervêm em processos de alta
inovação tecnológica e empresarial.”
A singularidade do Modelo Finlandês, defendem aqueles
autores, é a do papel desempenhado pelo Estado- Providência, enquanto “agente
vital de todo o processo de desenvolvimento” baseado na aposta nas
universidades públicas de alta qualidade e na decisão tomada em 1982, “de ir
aumentando o investimento nacional em I & D de 1,2 do PIB até chegar aos
2,2 % em 1992 e de ultrapassar os 3% actualmente.”
Na verdade, os investimentos em saúde e educação constituem
factores essenciais de crescimento que o investimento privado não sabe
“internalizar” com o devido valor.
Texto em português de Portugal.
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